“O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, disse que
existem "afinidades políticas" entre o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e que essas
semelhanças "justificam a aproximação" entre os dois países. "Essas
semelhanças se encontram, por exemplo, na ideia de justiça social, no
combate à pobreza e na luta contra políticas colonizadoras modernas",
disse o embaixador à
Ainda de acordo com Shaterzadeh, os dois presidentes têm ideias semelhantes no sentido de criar "uma nova ordem mundial".
O
presidente do Irã chega a Brasília na próxima quarta-feira, para um
encontro com Lula. Ahmadinejad será acompanhado por uma comitiva de 200
pessoas - o maior grupo que já acompanhou o presidente iraniano ao
exterior, segundo a embaixada.
A visita vem sendo articulada há
mais de dois anos. A proposta surgiu em janeiro de 2007, quando Lula e
Ahmadinejad se encontraram no Equador, para a posse do presidente Rafael
Correa. Até o final do ano, o presidente brasileiro deverá visitar
Teerã.PAÍSES 'FORTES E INFLUENTES'
Na
avaliação de Shaterzadeh, esse é o início de uma "nova etapa" na relação
entre os dois países. Segundo o embaixador, a aproximação entre Brasil e
Irã deve ser lida no contexto de uma "nova ordenação mundial".
"A
fase do unilateralismo passou. E nesse novo mundo, baseado na ideia do
multilateralismo, muitas potências emergentes estão surgindo. Brasil e
Irã estão entre esses países", diz Shaterzadeh.
Segundo ele,
Brasil e Irã são países "fortes e influentes". "É importante que os
países em desenvolvimento intensifiquem suas relações", diz.
De
acordo com o embaixador, a visita de Ahmadinejad ao Brasil não foi
prejudicada com a nota divulgada pelo governo brasileiro, no qual se diz
"preocupado" com o discurso do presidente iraniano durante uma
conferência das Nações Unidas sobre o racismo.
Na ocasião, o
presidente Ahmadinejad descreveu o governo de Israel como "racista" e o
Holocausto como "pretexto" para proteger os judeus.
Para o
embaixador do Irã, o governo brasileiro tem o "direito natural" de
expressar suas posições sobre grandes questões. Mas que o assunto não
está na pauta do encontro de quarta-feira. A seguir, trechos da entrevista do embaixador Mohsen Shaterzadeh à BBC Brasil. ESSA É A PRIMEIRA VEZ QUE UM CHEFE DE ESTADO IRANIANO FAZ UMA VISITA OFICIAL AO BRASIL. POR QUE AGORA?
SHATERZADEH - É
preciso deixar claro que as condições mundiais mudaram. O
unilateralismo passou. Estamos diante de um mundo sem lados, sem polos. E
nesse novo mundo, baseado na ideia de multilateralismo, novas potências
emergentes estão surgindo, e o Brasil e o Irã estão entre esses países.
Outro ponto que é importante enfatizar é que, nesse mundo
multilateral, as cooperações Sul-Sul estão entrando em uma nova fase,
baseada nos recursos internos desses países.
Mas o terceiro
ponto e mais importante são as visões em comum que os dois presidentes
têm sobre diversos assuntos. Esse é um elemento muito forte e que
justifica estabelecer um diálogo entre Brasil e Irã.
Essas
semelhanças se encontram, por exemplo, na ideia de justiça social, no
combate à pobreza e na luta contra políticas colonizadoras modernas.
Além disso, há semelhanças entre os dois presidentes no sentido de criar
uma nova ordem mundial, uma nova ordem nas instituições internacionais.
Essas semelhanças justificam a aproximação e um diálogo entre os dois
países.
Além disso, a política externa iraniana, especialmente
durante o mandato do presidente Ahmadinejad, coloca ênfase especial no
relacionamento com países da África e da América Latina. E também
encontramos esse ponto semelhante na política externa do presidente
Lula, de desenvolver as relações do Brasil com a África, com Oriente
médio, com países da Ásia. COMO SERÁ ESSA VISITA?
SHATERZADEH - A
comitiva que acompanhará nosso presidente ao Brasil é composta por mais
de 110 especialistas, em diversos campos econômicos. Esse grupo
representa 65 empresas, além de instituições e ministérios, em 23
diferentes áreas, como petróleo, gás, seguros, comércio, indústria
alimentar e pesquisa.
Os técnicos chegam dois dias antes e têm
reuniões setoriais com suas contrapartes brasileiras, em São Paulo. Na
quarta-feira, quando os dois presidentes se reúnem, eles terão um
relatório sobre as negociações feitas pelos dois grupos. DE QUEM PARTIU A INICIATIVA PARA ESSE ENCONTRO?
SHATERZADEH -
A iniciativa foi das duas partes. Durante um encontro no Equador, para a
posse do presidente Rafael Correa, os presidentes Lula e Ahmadinejad
falaram em incrementar as relações. A partir daí começou um processo
diplomático. O PRESIDENTE AHMADINEJAD VEM DESENVOLVENDO
UMA RELAÇÃO BASTANTE PRÓXIMA COM O PRESIDENTE DA VENEZUELA, HUGO CHÁVEZ.
É ESSE NÍVEL DE RELACIONAMENTO QUE SE ESPERA ENTRE BRASIL E IRÃ?
SHATERZADEH - Se
me permite, quero dar um pouco uma explicação sobre a relação entre
Venezuela e Irã. São países que pensam no bem-estar da sociedade, como
também no relacionamento entre países.
Esse é um ponto que orienta nossas relações em nível mundial: a seriedade e a sinceridade.
Nossas
relações com países da América Latina, Oriente Médio, África, e outros
asiáticos, hoje em dia está se desenvolvendo bastante. E essa relação
também se baseia nos princípios da revolução islâmica, para o bem-estar
do povo. MAS O NÍVEL DE RELACIONAMENTO QUE EXISTE ENTRE IRÃ E VENEZUELA PODE SER ATINGIDO COM O BRASIL?
SHATERZADEH - Isso só o futuro dirá.UM
DOS PRINCIPAIS ASSUNTOS NA PAUTA DESSE ENCONTRO SERÁ O COMÉRCIO
BILATERAL. O IRÃ TEM UM DÉFICIT COMERCIAL MUITO GRANDE COM O BRASIL.
VOCÊS PRETENDEM ABORDAR ESSE ASSUNTO?
SHATERZADEH - O
equilíbrio comercial não é algo que podemos impor. É certo que a relação
comercial entre Brasil e Irã é desequilibrada, mas isso quer dizer que
podemos aproveitar as potencialidades que cada um tem. Certamente se os
dois países se aproveitarem de toda a potencialidade que existe, no
sentido de completar um ao outro, aí sim, penso que nós vamos chegar a
um equilíbrio nas relações.
Certamente esse desequilíbrio existe
na relação comercial, mas se conseguirmos completar isso com outros
pontos, como através do investimento, dos projetos de cooperação
industrial e em tecnologia, sim, nesse ponto penso que podemos criar um
equilíbrio nas relações bilaterais entre os dois países.
Eu diria que estamos em uma fase de descobrimento dessas potencialidades entre o Irã e o Brasil.O
SENHOR ACREDITA QUE O BRASIL PODE, AINDA QUE NO FUTURO, SER UMA ESPÉCIE
DE INTERMEDIADOR ENTRE O GOVERNO DO IRÃ E OUTROS PAÍSES, COMO POR
EXEMPLO, OS ESTADOS UNIDOS?
SHATERZADEH - Esse assunto
não está incluído na agenda entre as duas partes. Se houver algum
diálogo, no futuro, entre Irã e os Estados Unidos, certamente esse
diálogo será direto, baseado nos princípios de respeito mútuo e de
não-intervenção. E também, o mais importante, baseado em alterações no
comportamento de cada um. O ITAMARATY DIVULGOU UMA
NOTA, RECENTEMENTE, MOSTRANDO "PREOCUPAÇÃO" EM RELAÇÃO AO DISCURSO DO
PRESIDENTE AHMADINEJAD, EM GENEBRA, DURANTE A CONFERÊNCIA SOBRE O
RACISMO. COMO O SENHOR VIU ESSE COMENTÁRIO DO GOVERNO BRASILEIRO?
SHATERZADEH -
Esse é um direito natural do Brasil e de qualquer país que expressa
suas posições sobre grandes questões. Nossa abordagem é de que a nota
enfatizou o interesse brasileiro em concretizar a visita. Nossa ideia
sobre a nota do Itamaraty é nesse sentido, de que nenhum elemento
poderia interferir na concretização dessa visita, uma visita importante e
que foi programada há muito tempo.
Quero também aproveitar para
dizer que nós desmentimos uma notícia publicada, de que teríamos sido
chamados ao Itamaraty para tratar do assunto (do discurso). Nunca houve
conversas entre a embaixada e o Itamaraty sobre esse ponto. O que houve
foi muita colaboração entre as duas partes, nas últimas semanas, no
sentido de programar a visita. A NOTA DO ITAMARATY DIZ
QUE O ASSUNTO (O DISCURSO DO PRESIDENTE AHMADINEJAD) SERÁ TRATADO NO
ENCONTRO ENTRE OS DOIS PRESIDENTES. O ASSUNTO ESTÁ NA PAUTA?
SHATERZADEH - Não. Mas certamente a posição oficial do Itamaraty, quem tem de falar é o Itamaraty. MESMO NÃO ESTANDO NA PAUTA, CASO O ITAMARATY VENHA A PROPOR O ASSUNTO, OS SENHORES ESTÃO ABERTOS PARA CONVERSAR SOBRE ISSO?
SHATERZADEH - Esses não são assuntos bilaterais. ALGUNS SETORES DA SOCIEDADE BRASILEIRA CRITICAM O ENCONTRO. O QUE O SENHOR DIRIA PARA ESSES CRÍTICOS?
SHATERZADEH -
Uma característica de uma sociedade aberta é que todo mundo fala. Isso é
muito natural. Existe uma diferença cultural, mas existem também muitos
pontos de vista em comum. Por exemplo, os grandes movimentos de procura
por justiça social e de luta contra a pobreza.
É importante
frisar a ideia de que são dois países soberanos, que têm independência
nas tomadas de posição e de decisão em nível internacional. E é bom
enfatizar a ideia de que os dois países estão à procura de um papel
importante em nível internacional para si e para os países em
desenvolvimento. O mais importante ainda, o interesse em estabelecer a
paz e a tranquilidade do mundo são ideias muito fortes e nós temos que
pensar nesses pontos em comum e não nos atritos.
Penso que, se
houver alguns grupos sinceros, para apresentar suas diferenças, e se
existir sinceridade em expressar essas ideias, nós podemos estabelecer o
diálogo, baseado nos interesses das nações. De nossa parte, podemos
preparar o terreno para um contato entre intelectuais, cientistas e
pensadores dos dois países.”
- By Mohsen Shaterzadeh
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